A “fuga do mundo” é um tema recorrente da retórica monástica medieval, mas sua prática concreta tomou formas diversas, indo do retiro propriamente dito em lugares isolados, a uma ruptura mais figurada, permitindo aos monges que não deixassem os centros de habitação e as relações sociais. A idade de ouro do monasticismo ocidental estendeu-se do século VIII ao século XII. O monasticismo cristão apareceu na parte oriental do Império Romano, sob o aspecto de um fenômeno claramente marginal, uma característica que ainda conservava quando se alastrou pelo Ocidente.
A
origem Oriental
O monasticismo cristão tem sua origem no
Egito do século III. A expansão da comunidade crista levou à ramificação do
clero, que se dotou de uma estrutura complexa e hierárquica; a autoridade
doutrinária e disciplinar concentrou-se então nas mãos dos bispos.
Quando
Constantino tornou o cristianismo legítimo e não foi mais possível provar a fé
pelo martírio, os autores monásticos sustentaram que os monges eram autênticos
herdeiros dos mártires. Outros escritos apresentavam ainda o mosteiro como uma
cidade no deserto. Trata-se evidentemente de uma anticidade, fundada em
oposição a quase tudo o que encarnara a Polis
ou a Civitas, entidade social
essencial da Antiguidade.
Os
Debates Ocidentais
Textos espirituais começaram a estar
disponíveis em tradução latina. Foi assim que a vida monástica implantou-se de
múltiplas formas nas províncias ocidentais, começando pela África do Norte, Itália,
Gália e Espanha. Não conseguindo barrar o monasticismo, os bispos manifestaram
abertamente sua desaprovação e seu desgosto. A Irlanda constitui uma
interessante exceção a este esquema.
Na
mesma época existiam no continente, em todas as províncias romanas ocidentais,
tanto para mulheres quanto para homens, comunidades monásticas que sofriam com
as migrações germânicas. Estas comunidades eram governadas por diferentes
regras monásticas, algumas importadas e traduzidas, outras de origem local.
O monasticismo foi, portanto, um
movimento propalado no Ocidente, mas teve faces diferentes, implantou-se em
lugares afastados e caracterizou-se, em termos sociais e com exceção da
Irlanda, por uma natureza claramente marginal. Essas tendências começaram a
inverte-se com o papa Gregório.
A
adaptação do monasticismo irlandês baseado no clã à estrutura da sociedade
aristocrática franca produziu uma mistura única e original.
A
unificação Carolíngia
O fortalecimento do principal papel
social do monasticismo na Europa está diretamente ligado ao da dinastia
Carolíngia. Carlos Magno empregou monges para aconselhá-lo e para orar pelo
sucesso de seus exércitos. A partir de então, os monges foram acessórios
habituais da realeza cristã germânica. O modelo monástico que surgiu no início
da época carolíngia desenvolveu-se sem contestação durante mais de três
séculos. Sua característica determinante era a litúrgica.
Os monges e as religiosas eram
indispensáveis à sociedade em razão de seu quase monopólio sobre a oração. A
função religiosa era essencial na concepção da organização social então
amplamente compartilhada.
Em retribuição a todos os serviços que
prestavam, os monges beneficiavam da generosidade dos leigos. Homens querendo
assegurar sua salvação doavam importantes superfícies de terra às comunidades
monásticas. Renunciar os costumes pagãos: deixar de cobrir os mortos com ouro,
prata e pedras preciosas, instrumentos e armas, objetos que supostamente os
ajudariam na viagem ao Além. Em vez de desaparecer, esse hábito foi direcionando
para as igrejas monásticas, onde os objetos preciosos foram reunidos,
transformados em acessórios litúrgicos.
As despesas ostentatórias deslocaram-se da tumba para o santuário.
O
plano habitual de um mosteiro compreendia também uma biblioteca. Nos primeiros
séculos da vida monástica, o valor do saber e da instrução fora considerado com
certa ambivalência, mas o monasticismo ocidental foi constantemente erudito. Os
livros eram venerados como objetos sagrados e a obra de um copista era
considerada um ato espiritual.
Críticas
e reformas
Antes
que esta forma grandiosa de vida monástica tivesse atingido seu apogeu, certas
vozes manifestaram-se para criticar não só seus excessos mas também seus
princípios básicos. Assistiu-se então ao aparecimento dos movimentos
dissidentes.
As
ordens mendicantes
No início do século XIII, as ordens de
frades mendicantes não sintetizaram apenas as principais evoluções da vida
religiosa dos dois séculos precedentes. Elas foram bem mais longe. A principal
característica de espiritualidade mendicante era o apostolado ativo voltado
para a população urbana laica. Ao contrário os mosteiros, os conventos das
Ordens Mendicantes estavam situados nas cidade; os frades passavam
frequentemente de um convento a outro de sua ordem, em função das necessidades
do ministério.
As mulheres não foram bem acolhidas
pelos movimentos eremíticos e, após um primeiro período de tolerância relativa,
elas acabaram sendo excluídas dos movimentos monásticos reformados. A
verdadeira provação chegou com a fundação das Ordens Mendicantes. Os chefes
destas ordens e seus inspetores pontificais não autorizavam as mulheres a
participar do que fazia a especificidade da espiritualidade dos frades, quer
dizer, o apostolado urbano.
Diante de uma conjunção de fatos,
pode-se compreender que nos séculos XIII e XIV o misticismo tenha se tornado a
vocação espiritual feminina por excelência. Nas cidades onde existiam várias
ordens de frades, os conventos mendicantes estavam geralmente situados longe do
centro, e longe uns dos outros. Os frades não se limitaram apenas a criar uma
nova forma de vida religiosa, fizeram muito mais, incentivando uma nova
espiritualidade laica.
A
conclusão lógica do programa dos frades, que consistia em fazer os leigos
participarem da vida espiritual, representava uma das ideias religiosas mais
radicais daquela época: incitando leigos comuns a viver na religião, eles
tendiam a tornar supérfluas as ordens religiosas e o clero.
Dissipação
e Posteridade
No início, a história dos frades
brilhava com inovações e entusiasmo. As novas ordens atraíram, é certo, homens
de talento como as vedetes da vida universitária do século XIII, enquanto as
comunidades monásticas não seduziam mais os candidatos de valor. Graças às
dotações substanciais, os mosteiros continuaram funcionando no século XIV e XV,
mas tratava-se então de instituições extremamente conservadoras, atrasadas em
todos os campos de atividade, inclusive na espiritualidade.
Desde
o momento de sua introdução a partir do Oriente no século IV e até a
Contra-Reforma, a vida monástica ocupou um lugar de primeira importância no
Ocidente medieval, uma importância desproporcional ao pequeno número de pessoas
realmente envolvidas.
São
Francisco de Assis
A mensagem de São
Francisco de Assis continua atual. Segundo o historiador Jacques Le Goff, os
valores os quais o santo disseminou — amor à natureza, liberdade de espírito,
anti-consumismo e vida comunitária — representam hoje uma busca existencial da
atual sociedade. Segundo Le Goff, Francisco difundiu um apostolado voltado à
nova sociedade cristã e enriqueceu a espiritualidade com a dimensão ecológica,
colocando-o assim como o criador de um sentimento medieval da natureza expresso
na religião, na literatura e na arte.
O
balanço da trajetória de um homem decisivo e de seu tempo, nesse sentido,
procura definir a perspectiva a partir da qual é possível avaliar o que restou
do franciscanismo para os contemporâneos, bem além das bulas papais ou determinações
eclesiásticas. Um franciscanismo que foi capaz de corresponder à acelerada
mudança histórica que viveu e, ao mesmo tempo, lançar luzes sobre o advento tão
futuro da modernidade, insinuada nas práticas que dissolviam as fronteiras
entre leigos e religiosos e definiam o valor da experiência e do exemplo.
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